A sacada mais interessante do filme Intrigas de Estado (2009), dirigido por Kevin Macdonald, é o confronto geracional entre o velho e o novo jornalismo. Representados pelos jornalistas Cal McAffrey (Russell Crowe) e Della Frye (Rachel McAdams), respectivamente, o poder midiático apresentado na trama congrega ficção e realismo num thriller inteligente, com diálogos e interpretações pontuais. Todo o cenário e as cenas são construídos de modo que o telespectador tenha a certeira sensação de estar dentro de uma redação de um jornal, desde as aventuras e os riscos que os jornalistas precisam enfrentar para conseguir encontrar e entrevistar as fontes até a pressão diária vivida por esses profissionais para entregarem as matérias antes do deadline.
Cal é um jornalista veterano, sem muitas pretensões materiais e repórter especial há um bom tempo; Della está mais para uma “foca”, jargão utilizado no jornalismo para denominar a falta de experiência de quem está no início da carreira jornalística, e escreve para a plataforma digital do jornal, o blog. Os dois fazem parte da equipe do Washington Globe e têm apenas oito horas para investigar o assassinato de Sonia Baker, amante do político e congressista Stephen Collins (Ben Affleck) — que é um grande amigo de Cal — e supostamente executada a mando da poderosa PointCorp, uma organização que fornece serviços armamentistas para países do Oriente Médio, como o Afeganistão e Iraque. Diferentes, porém trabalhando no mesmo jornal, ambos possuem o mesmo caso a apurar e acabam se unindo para conseguir uma grande reportagem que desvende a suposta conspiração americana e, de quebra, ajudar a vender muitos jornais nas semanas seguintes.
O filme se desenrola com a perseguição tanto de Cal como de Della atrás dos principais acusados dos crimes que vão surgindo ao longo da história. A princípio, Cal tenta fazer tudo sozinho, sem a ajuda da colega, porém, quando os fatos vão se alinhando e os problemas não conseguem ser controlados pelo jornalista, eles finalmente juntam as forças, pois o próprio Cal percebe que Della tem muito talento e força de vontade para continuar a apurar um caso tão chocante e que envolve tantas pessoas poderosas e importantes. A editora-chefe do Washington Globe, Cameron Lynne (Helen Mirren), figura bem a questão da ética jornalística em ter de decidir até que ponto a apuração e a divulgação dos fatos devem ir — ela fica numa saia-justa em vários momentos do filme por conta da alta cúpula diretora do jornal que não quer comprometer o funcionamento do impresso e ao mesmo tempo quer vender bastante as notícias de uma forma bem sensacionalista.
Ao final de Intrigas de Estado, logo após sequências de muita adrenalina na tela, vemos uma bela parada no suspense para apreciarmos o fatídico processo da escrita da reportagem, que, ao chegar às bancas e na casa dos assinantes ao amanhecer — ou, no caso do blog, depois de apertar o botão “publicar” —, milhares de leitores passam a conhecer as histórias contadas na maneira da pirâmide invertida sem ao menos ter a noção de como foi difícil e estressante conseguir juntar aqueles pouco mais de duzentos toques na frente do computador e assinar o texto, e que, paradoxalmente, é muito gratificante para quem exerce a atividade jornalística com paixão enfrentar todo esse processo. O último take do filme é de encher os olhos, uma sequência do processo da impressão dos jornais se movendo e sendo organizados nas máquinas enormes da gráfica. É de se sentir que o jornal, independentemente da plataforma que se utilize, sempre fará parte da sociedade mesmo que, para isso, tenham que aposentar o papel num futuro bem próximo para dar lugar a interatividade nos tablets e iPads muito mais modernos que as folhas de enrolar carne.